Entrevista com o Advogado Michel Ramalho de Castro Sobre o Asseguramento dos Direitos da Pessoa Surda


Martino Bioni Caruso, apresenta à Revista Digital Íntegros, mais uma entrevista que continua a série com a abordagem do tema inclusão da população surda, desta vez, entrevistando o advogado do Rio de Janeiro, Michel Ramalho de Castro, 27, filho de pais surdos que tem seu trabalho voltado, especificamente, para a pessoa surda.



Martino - Por que você escolheu a sua profissão?


Michel - Aos 14 anos comecei a estagiar no INSS, e na época tinha contato com muitas pessoas carentes, me deparava com situações adversas, até hostis, e muitos direitos violados pelo órgão. Fiquei neste órgão por 03 anos. Depois, fui contratado para ser secretário de um escritório de advocacia previdenciária (INSS). E estando do outro lado da moeda, via o que realmente os segurados, adoentados, deficientes, entre outros, passavam no dia-a-dia...tendo seus direitos rejeitados pelos órgãos, e pelo Estado. Dali em diante, vi que realmente a profissão que desejava ter era defender essas pessoas, a fim de buscar, ao menos, amenizar a dor delas, diante do fracasso na pretensão de seus direitos. Portanto, escolhi o Direito e, especialmente, a Advocacia, para buscar e lutar pelos direitos desses segurados, pessoas que sofrem em demasia e não possuem a devida contraprestação diante do pagamento de seus impostos pelo Estado. Hoje, tenho orgulho da profissão que escolhi, pois estou certo de que faço minha parte na sociedade, obviamente sob vitórias e também derrotas, mas todas com a busca do lídimo direito, da equidade a todos, e de justiça!



Martino - Por que ser advogado, especificamente, para surdo?


Michel - Como disse acima, tive contato com muitas situações adversas estagiando no INSS, e também em escritórios de advocacia, onde via pessoas passando fome em busca de um benefício da previdência, pessoas sendo ignoradas, pessoas com graves doenças sendo rejeitadas nas perícias como se fossem objeto. E, infelizmente, com os surdos, a realidade não é diferente. Como sou filho de pais surdos (CODA), sei bem das dificuldades que eles percorrem no dia-a-dia, desde o difícil acesso ao transporte público em razão da comunicação limitada, até a inacessibilidade deste público perante o Judiciário. O Brasil possui 10 milhões de surdos, e somente agora, em pleno século 21, é que a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) está sendo bem difundida. Assim, diante de todas as mazelas que os surdos passam, e por ser filho de pais deficientes auditivos, resolvi defendê-los principalmente perante o INSS, na área previdenciária, que é a minha praia, e graças a Deus tenho conseguido restabelecer os direitos e benefícios deles tanto na justiça quanto no INSS, pois sozinhos sabemos que, na grande maioria das vezes, é muito difícil, e certas situações, impossível, uma vez que os órgãos públicos e demais instituições não possuem atendimento adequado (por LIBRAS) e tratam os surdos como se estes não tivessem deficiência. Por fim, advogo para os surdos por, principalmente, conhecer a realidade dos mesmos, e pelo prazer de vê-los felizes, com seus direitos e deveres respeitados pela sociedade.



Martino - Os surdos tem quais privilégios?

Michel - Sobre privilégios aos surdos, hoje em dia, são poucos. A exemplo, temos direitos previstos em lei, aos deficientes, que, absurdamente, não são estendidos aos surdos, tal que, a redução de IPI na compra de veículos (que é somente aos deficientes visuais, físicos e mentais, s.m.j). Por outro lado, temos a Aposentadoria da pessoa com deficiência, a qual vejo sim como privilégio aos deficientes auditivos, pois ela dá a oportunidade de aposentadoria com tempo reduzido, nos termos da Lei Complementar 142/2013, em seu art. 3º e incisos. Além disso, os surdos possuem transporte público livre, gratuito, dentre outros direitos como o benefício previdenciário assistencial (BPC – LOAS – deficiente), mas tenho certeza de que muitos outros privilégios ainda têm de ser observados a este público.



Martino - Os surdos são tratados diferentes judicialmente?

Michel - Em alguns casos sim, mas não da maneira correta. Nas ações judiciais que necessitem de audiência, por exemplo, alguns juízes não concedem a oportunidade de tradução do ato por intérprete de LIBRAS, pois seria um custo para o Estado. Por outro lado, temos magistrados que entendem a dificuldade e de pronto reconhecem tal necessidade. Mas ainda é uma dificuldade que não está consolidada e que precisa de debate aprofundado. Nas perícias médicas judiciais o quadro também é assim, não há intérprete de LIBRAS no momento do exame e muita das vezes familiares que acompanham os surdos nas perícias são impedidos de entrar nas salas, o que impede a devida realização da perícia médica.



Martino - Tem alguma lei falando que os lugares públicos são obrigados a ter acessibilidade? Se houver, essa lei...ela funciona?


Michel - Sim, temos o DECRETO Nº 9.656, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2018 que determina isso, mas, sinceramente, não funciona, e teremos muita luta para que seja efetivamente cumprida pelas empresas que detém parceria público-privada, pelos órgãos e servidores públicos, e pelo Poder Público em geral.



Martino - Qual é o maior “perrengue” que você viu um surdo passar?


Michel - Já vi muitos, pois sou filho de pais surdos. Mas o que mais me atormentou foi o fato de que, ao acompanhar um cliente surdo numa perícia do INSS e fazer a tradução em LIBRAS do exame, o médico, absurdamente, questionou o surdo se ele tomava algum remédio para a deficiência auditiva, e ao mesmo tempo ele pesquisava em seus livros a fim de buscar alguma informação se havia cura para a surdez. Aquilo me deixou extasiado e triste, pois demonstra o desleixo das pessoas com os surdos ao não conhecerem sobre esta deficiência, e muito menos sobre as dificuldades que eles passam.


Martino - Você tem pais surdos?


Michel - Sim, tenho. Francisco e Rozi, meus amores.



Martino - Você nasceu em uma casa com país surdos, então você teve criação bilíngue, mas sofreu com o português no começo da sua vida?

Michel - Eu nasci convivendo com pais surdos, mas também convivi muito com familiares ouvintes, amigos, etc. Então, o português não foi tão dificultoso pra mim uma vez que eu tinha auxílio de, principalmente, familiares. E na escola era a matéria que eu mais gostava.



Martino - Qual é a maior dificuldade de ter pais surdos?

Michel - A maior dificuldade é não poder estar a todo momento com eles, pois sabemos da necessidade do surdo de ter acesso a todas as informações no dia-a-dia. Outra dificuldade é que os surdos são muito imediatistas, porém isso se deve ao fato de que a realidade deles é diferente da nossa, e que, portanto, temos que nos adequar a isso. 



Martino - Eles dependem ainda de você até hoje em questão financeira ou de você ter que auxiliar eles alguns momentos?


Michel - Na situação financeira meu pai não depende, pois tem sua aposentadoria, mas minha mãe sim, vez que ainda não é aposentada e não possui nenhuma renda, estando impossibilitada de trabalhar. Sobre auxiliá-los, sempre que posso e vejo alguma necessidade em que eles precisam de intervenção, o faço de pronto, a exemplo, acompanha-los em bancos, consultas médicas, entre outros.



Martino - Surdos conseguem ter uma vida normal em sociedade?


Michel - No Brasil ainda não. Entretanto, vejo esperança neste ponto, pois podemos ver a crescente inclusão e interesse das pessoas neste público e, inclusive, interesse em aprender a LIBRAS. Acho sensacional essa evolução, porém dizer que o surdo pode viver 100% normal, com todos os acessos cujo ouvinte possui hoje em dia, é hipocrisia.



Martino - Antes das leis de ajuda aos surdos, eles conseguiam se virar?

Michel - Não mais que hoje, pois atualmente, através das leis, normas e também do costume, os direitos e deveres disponibilizados aos surdos facilitaram em demasia suas vidas. 



Martino - Para você se encaixar como surdo precisa ter quanto de perda de audição

Michel - O deficiente auditivo pode ser considerado como tal já diante da perda de audição no grau leve a moderado, ou, em casos mais intensos, de severo a profundo, tanto unilateral quanto bilateral. Os casos mais comuns são de severo a profundo, de forma bilateral.


Martino - Tem níveis de perda de audição?


Michel - Sim. A partir da perda auditiva de 20 decibéis podem ser definidos os graus da deficiência. Após requisição de um médico Otorrinolaringologista à realização de exame de Audiometria e sua devida análise, é que se definirá isto.


Martino - A lei é diferente com os níveis de surdez?



Michel - Sim. Especificamente na Lei Complementar 142/2013, que facilita a Aposentadoria aos deficientes, através de redução de idade e tempo de contribuição. Nesta lei, em seu art. 3º, há 03 graus de deficiência a homens e mulheres, tais que, grave, moderado e leve. Portanto, quanto maior o grau da deficiência, ou neste caso, da surdez, menor será o tempo de contribuição necessário para se aposentar. Exemplo: Se um homem, deficiente auditivo, for portador de deficiência auditiva bilateral severa a profunda, ele poderá se aposentar com apenas 25 anos de contribuição (enquadrando-o no grau grave), a depender, claro, da constatação do médico através de perícia, do INSS ou da Justiça. No caso da mulher, se a surda possuir deficiência grave, ela se aposentará com apenas 20 anos de contribuição. Esta lei prevê também a aposentadoria por idade, com idade reduzida.


MICHEL RAMALHO DE CASTRO
RIO DE JANEIRO
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